Volume 12, Issue 1 - March 2012
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Revista de Gestão Costeira Integrada
Volume 12, Número 1, Março 2012, Páginas 31-42
DOI: 10.5894/rgci317
Submissão: 3 Janeiro 2012; Avaliação: 2 Fevereiro 2012; Recepção da
versão revista: 12 Março 2012; Aceitação: 30 Março 2012;
Disponibilização on-line: 17 Abril 2012
Praia da Rocha (Algarve, Portugal): um paradigma da antropização do litoral
Praia da Rocha (Portugal): an anthropization paradigm of the Algarve coast
Joana Gaspar de Freitas @, 1, J. A. Dias 2
@ - Autor correspondente: joana.gaspar.freitas@gmail.com
1 - IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, 1069-061
Lisboa, Portugal.
2 - CIMA – Centro de Investigação Marinha e Ambiental, Universidade do
Algarve, Edifício 7, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro, Portugal.
E-mail: jdias@ualg.pt
RESUMO
A Praia da Rocha tem pouco mais de um século de existência no que toca
à sua ocupação com vista à utilização dos banhos marítimos. Durante
este tempo, a localidade transformou-se radicalmente passando de um
pequeno povoado à beira-mar com meia dúzia de casas a um grande centro
urbano que, durante o verão, atrai milhares de turistas. Este
crescimento urbano desmedido, registado sobretudo nas últimas décadas
do século XX, mostra-se muito semelhante ao que ocorreu na maioria dos
núcleos costeiros do Algarve Central. O caso da Praia da Rocha, porém,
revela-se paradigmático, uma vez que no arranque da expansão turística,
no princípio dos anos 70, se procedeu à alimentação artificial da
praia, com vista ao alargamento do areal para aumentar a sua capacidade
de utilização balnear e para evitar que as vagas atingindo as falésias
pusessem em risco as construções edificadas ali na última década. O
sucesso das operações de enchimento (1970, 1983 e 1996) fazem da Praia
da Rocha um caso único no país e um magnífico exemplo de antropicosta.
O êxito alcançado na ampliação do areal na Rocha teve, contudo, um lado
perverso no que toca à ocupação humana daquele litoral: possibilitou a
expansão do turismo de massas, ao criar uma praia com maior capacidade
de carga e ao permitir – graças à subtracção da arriba aos processos
marinhos - um crescimento da volumetria das construções, dando origem,
a partir dos anos 80, ao aparecimento de uma frente contínua de
edificações de grandes dimensões adjacentes à costa. Neste trabalho
traça-se o perfil histórico desta praia, acompanhando a sua evolução
urbana com base na comparação de material iconográfico, fotografias
áereas e cartas, tentando perceber de que forma as actividades
antrópicas ali desenvolvidas (essencialmente balneares) determinaram a
sua configuração actual. Pretende-se ainda mostrar como a nível da
gestão costeira é essencial compreender a evolução diacrónica das zonas
costeiras para se ter uma correcta percepção de risco, já que algumas
praias aparentemente estabilizadas podem oferecer uma falsa sensação de
segurança. Grande parte das populações que ocupam hoje o litoral não
possuem – pelo seu desenraizamento face áquele espaço – a noção da sua
instabilidade. Mas, os técnicos e autoridades com responsabilidade na
gestão da orla litoral não podem ignorar a história e memória da erosão
costeira, sob pena de num futuro recente enfrentarem graves problemas
em consequência do seu alheamento face à intensificação da ocupação
humana de zonas de risco e da não aplicação de medidas de adaptação.
Palavras-chave: Algarve, Turismo, Risco, Alimentação Artificial de Praias, Antropicosta.
ABSTRACT
Praia
da Rocha was the first beach resort of the Algarve. For a little more
than a century, it has been a tourist destination because of its
beaches. During this time, the location changed radically from a small
village by the sea with a handful of houses to a large urban centre
that attracts thousands of tourists in the summer. During this
transformation, small chalets on the top of the cliffs were replaced by
apartment buildings and hotels, and family guesthouses gave rise to
major hotel chains. Small business commerce and entertainment – being
the most important the casino -, have grown to provide restaurants,
cafes, bars, nightclubs, shops, and a new gambling site. This excessive
urban growth, which occurred mainly during the last decades of the
twentieth century, is very similar to what occurred in most coastal
settlements in the Central Algarve. The case of Praia da Rocha,
however, is paradigmatic. Since the start of the tourist boom, in the
early 70s, major interventions took place. The beach was artificially
enlarged in order to increase its use and sun bathing capacity. This
change also prevents waves from hitting the cliffs that could endanger
the buildings built there in the last decade.
Rocha was never an
extensive beach. Its width depended on sedimentary exchange with the
submerged delta banks of the Arade River. The construction of a groyne
in the western part of the river mouth caused changes in the natural
system and contributed to sand loss on the beach. This situation was
inverted after the completion of the groyne, which favoured sand
accumulation. However, Praia da Rocha could never become a big beach
naturally, because in this region the amount of sand available from
coastal drift is relatively low. Prior to the 60s, the Rocha was only
attended by a few dozen sunbathers who concentrated in two or three
specific points of the beach. A problem arose in the late 60s with a
strong rise in demand for usable space. The solution was the
construction of an artificial coastal system by dredging materials from
the port. The successful filling operations (1970, 1983 and 1996) make
Praia da Rocha a unique case in the country and a magnificent example
of coastal anthropization. The beach profiles measured in 1988
indicated that over 80% of the deposited material was still there. This
success is due to: low littoral drift transport, very moderate wave
agitation compared with Portuguese west coast, and the beach being an
almost closed system (thanks to the tip of Três Castelos and to the
port West groyne). On the contrary, on the adjacent West coast, between
Três Castelos and Vau, where the operations of 1983 and 1996 took
place, there was a rapid and significant loss (about 60% in 1988) of
the deposited material because these beaches are not closed systems.
The success achieved in expanding this beach has had, nevertheless, a
downside when it comes to human coast occupation. In fact, the creation
of a beach with a greater load capacity and the protection of the
cliffs against maritime erosion allowed the expansion of mass tourism
and the increase of building construction. So in the 80s, a continuous
front of large buildings emerged adjacent to the coast. The singularity
of Praia da Rocha, which was once described as the most beautiful beach
of the Algarve, was sacrificed in the name of perpetuation of
established interests. Of the thousands of tourists who visit it, only
a few know that they are facing a landscape fully transformed and built
specifically for them. In addition, the peculiar rocks, shoals, islets,
pinnacles and arches, which gave name and fame to the beach, have been
mostly destroyed or covered by sand.
This case-study, based on the analysis of the region’s historical
evolution and how the use of this area has impacted the environment,
illustrates very clearly the relationship established over the
centuries between human societies and the seashore. Man’s capacity and
desire to artificially transform landscapes, and the response of the
natural system, creates new realities. These new realities lead to new
solutions and to an endless cycle of action-reaction which is
impossible to ignore.
This article also demonstrates to coastal management the importance of
understanding the diachronic evolution of coastal areas to have a
better risk perception, since some apparently stabilized beaches may
offer a false sense of security. The majority of the population, who
nowadays live on the coastline, do not have notion of its instability.
However, coastal zones management (technicians and authorities) cannot
ignore the history of coastal erosion. Not learning from past events
may lead to incorrect adaptation measures in the future. This is
especially true in areas that are not currently at risk, but have been
in the past due to human intervention.
Keywords: Algarve, Turism, Risk, Beach Artificial Nourishment, Coastal Anthropization.
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