7º Simpósio de Hidráulica e Recursos Hídricos dos Países de Língua Oficial Portuguesa

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Conferência Convidada

A Sustentabilidade do Regadio e a Conservação do Solo e da Água. (dowload, pdf)
Ricardo Serralheiro (Portugal)

Introdução
A Agricultura de Regadio baseia-se na utilização de dois recursos naturais fundamentais: o solo e a água. A sustentabilidade desta forma de agricultura depende pois do uso conservativo dos dois recursos fundamentais, uso que lhes mantenha ou mesmo melhore a quantidade e a qualidade. Resta saber se a Agricultura de Regadio que hoje se pratica realiza, efectiva e potencialmente, tal uso conservativo, ou se, pelo contrário, vai cavando a sepultura da sua insustentabilidade.


A Agricultura enfrentou, há poucas dezenas de anos, os desafios de uma revolução produtivista. Num Mundo cuja população crescia, como hoje cresce ainda, exponencialmente, o espectro da Fome aterrorizou algumas gerações. Pelo menos numa parte do Mundo, a desenvolvida, a agricultura realizou uma autêntica revolução produtivista, que nos permite considerar hoje que o espectro da Fome se afastou. Nessa revolução, o Regadio teve papel crucial, oferecendo hoje cerca de metade da produção total de alimentos, utilizando menos de 1/5 da área cultivada. Poderemos algum dia, neste mundo cuja população continua a crescer exponencialmente, dispensar esta via rendosa de produção de alimentos e fibras?


Contudo, chegados ao princípio do século XXI, constatam os agricultores dos países desenvolvidos e os técnicos agrícolas em geral, que o seu esforço de produtores de alimentos e fibras não é mais reconhecido essencial pela Sociedade. De facto, não só se cobriram as necessidades, mas até se geraram excedentes. Numa parte do Mundo, a desenvolvida. Contraditoriamente, a Sociedade olha agora com desconfiança a Agricultura e aponta-a como responsável pela degradação e pelo mau uso de recursos naturais fundamentais, em especial a água. É principalmente o recurso hídrico, a sua quantidade e a sua qualidade, que vão gradualmente sendo objecto da sensibilidade do cidadão, que em geral ignora ou subvaloriza o recurso solo e a importância da sua conservação, aliás indissociável da conservação da água.


Cabe ainda à Agricultura e caber-lhe-á nos próximos anos, um papel crucial, cada vez mais exigente, na definição e prática das soluções tecnológicas para os problemas de uma nova produtividade agrícola, enquadrada no paradigma global da sustentabilidade, do uso renovável dos recursos naturais e das novas tecnologias, em que se maximize a qualidade dos produtos e se mantenha a qualidade da paisagem e a qualidade da vida no meio rural. Hoje não se procura apenas aumentar a produção de alimentos e fibras, cada vez mais a agricultura procura contribuir para que o meio agrícola e rural saiba transformar a sua tecnologia e a sua cultura produtivistas das décadas anteriores, na nova
cultura da qualidade.


Que futuro terá o Regadio, nesta nova Agricultura da qualidade? A resposta a esta questão não pode ignorar a Geografia Agrícola do Mundo global de hoje, que conta já 6 mil milhões de habitantes, que serão 9 mil milhões dentro de pouco mais de uma geração. O Regadio continua a ser uma pedra angular do desenvolvimento agrícola, essencial para produzir alimentos para esta população ainda em contínuo crescimento.
No entanto, uma lição chave da História é que as grandes civilizações baseadas no regadio ficaram muitas vezes a dever o seu declínio a factores cujo controlo ainda hoje nos escapa, pelo menos em parte, e que no entanto continuam determinantes da viabilidade desta forma de agricultura. Hoje, início do século XXI, corremos seriamente o risco de repetir alguns erros cruciais do passado.


O conceito de sustentabilidade ou durabilidade de um processo de desenvolvimento liga-se indissoluvelmente ao uso conservativo, em perpetuidade, dos recursos naturais que o mesmo processo utiliza. No caso da Agricultura de Regadio, esses recursos basilares são, como já se referiu, o solo e a água. Todo o uso que os degrade, os não conserve ou mesmo os não melhore, compromete o futuro e contraria a sustentabilidade do processo de desenvolvimento. Delapidando os recursos de base, o uso não conservativo promove o seu esgotamento a mais ou menos curto prazo, caminhando exactamente no sentido contrário ao desenvolvimento, no caminho da desertificação. A História
tem mostrado que o regadio é esse caminhar no fio da navalha, entre o desenvolvimento e a desertificação.