Boletim Informativo nº 144 | Outubro 2011

Novo modelo institucional e gestão dos recursos hídricos. Algumas reflexões


“Se alguém for demasiado preguiçoso para manter a sua represa em condições, se a represa rebentar e todos os campos forem inundados, então aquele em cuja represa ocorreu a falha será vendido por dinheiro, e o dinheiro substituirá o milho que por sua causa se arruinou…”
in “CÓDIGO DE HAMMURABI”, Babilónia, 1760 AC

É praticamente inevitável a próxima alteração do modelo institucional da gestão dos Recursos Hídricos portugueses. Esse facto justifica meia dúzia de reflexões sobre soluções que se sabe estão a ser equacionadas, no sentido de alertar para os malefícios que algumas dessas soluções podem trazer para o bom uso e protecção das nossas águas e meios hídricos.

Em primeiro lugar, a água não é só Ambiente. Tem componentes económicas e sociais igualmente importantes, assim como uma especificidade técnica e gestionária própria, ligada às exigências das suas múltiplas utilizações – na agricultura, energia, indústria, meios urbanos, recreio e turismo, etc. – e aos efeitos adversos que procedimentos erróneos podem acarretar, nomeadamente em situações hidrológicas extremas. Exigências que se acentuam no nosso País, perante a irregularidade com que as chuvas ocorrem no território continental, conduzindo à necessidade de infra-estruturas que permitam armazenar caudais e regularizar os leitos fluviais.
Não obstante, a água é uma componente relevante do Ambiente e como tal deve ser encarada, mas sem menosprezar as suas características e regras hidráulicas que, quando são ignoradas, têm sérias implicações na saúde pública, na segurança de pessoas e bens e no desenvolvimento das actividades económicas.

Consequentemente, os Recursos Hídricos não devem ser diluídos nos outros factores ambientais, repetindo modelos híbridos da gestão da água a nível regional – nas DRA, DRARN, DRAOT e, até, nas CCDR – que tão fracos resultados deram, em termos de indeterminação de responsabilidades e de qualidade de intervenção.

Convém, aliás, ter presente que a gestão dos Recursos Hídricos por bacia ou região hidrográfica é um princípio fundamental e um imperativo, claramente vertido tanto na Directiva-Quadro da Água (DQA) como na Lei da Água portuguesa (nº 58/2005).

Há, pois, que manter o modelo em boa parte virtuoso das Administrações de Região Hidrográfica (ARH), embora corrigindo os seus erros de percurso juvenil, nomeadamente a necessidade de assegurar uma efectiva coordenação e repartição de recursos das ARH a nível nacional. Até para melhor relacionamento com as Confederações Hidrográficas espanholas dos rios Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana, aspecto relevante na medida em que 64% do território continental português se situa nessas bacias hidrográficas luso-espanholas.
Apesar dos condicionalismos resultantes da delicada situação financeira em que o País se encontra, não faz sentido ignorar que as estruturas administrativas públicas demoram muito tempo a consolidar, sendo portanto de evitar mexidas frequentes nas instituições, sobretudo em áreas onde há questões fundamentais a resolver no curto prazo, como é o caso da eficaz conclusão dos planos de recursos hídricos, relativamente aos quais o País está em manifesto estado de incumprimento perante a União Europeia. Por muito que espante quem menos conhece o meio e seja por razões legais (leis orgânicas; dotação de meios humanos e operacionais), seja por razões orçamentais, esta é a realidade da Administração Pública portuguesa.

 

 

 

 

 

 

Na mesma ordem de ideias, o modelo de administração das águas por que se venha a optar, como quaisquer outros modelos de enquadramento organizacional, deve ser simples, lógico e funcional, além de aceitável pela sociedade civil e possível de gerir.

A definição imprecisa de competências, ao nível da monitorização e informação, dos estudos e projectos, do licenciamento, das medidas de prevenção e das obras de sistematização fluvial, tem elevada probabilidade de resultar ineficaz ou, pior ainda, de gerar delicadas consequências no usufruto dos sistemas hídricos. Também por isso, não se compreende que a Nação prescinda de ter uma Autoridade Nacional da Água vocacionada para estimular o aproveitamento sustentável dos recursos hídricos e o controlo técnico das suas utilizações, diluindo-a numa instituição orientada para avaliar os impactes ambientais das intervenções.

Tudo ponderado e fundamentalmente por força do aperto financeiro em que Portugal vive, o quadro institucional de gestão dos Recursos Hídricos não vai continuar como está. Ou seja, há que rever a sua dimensão e reestruturar a respectiva organização. Mas isto tem de ser feito apenas no sentido da fusão dos organismos existentes, ou será que igualmente podia ser feito através da racionalização desses organismos, da sua melhor articulação e do emagrecimento de alguns deles? Por esta via não se poderiam reduzir custos?!

Face a tudo o que a DQA e a Lei da Água impõem, é fulcral ter presente que a gestão dos Recursos Hídricos envolve, além das águas subterrâneas e das águas de superfície – interiores, mas também estuarinas e costeiras –, os respectivos leitos e margens e os ecossistemas associados, bem como as zonas adjacentes às captações de águas, as zonas de infiltração máxima para recarga de aquíferos e as zonas protegidas. Um verdadeiro “sistema circulatório” do território nacional, para o qual é necessária uma política de Estado que discipline os usos deste bem público e assegure a perenidade do sistema.

Não chega falar de utilização, protecção, valorização ambiental, social e económica das águas, é preciso saber exactamente o que isso significa numa perspectiva de equidade e futuro. Os princípios básicos da gestão integrada dos aspectos quantitativos e qualitativos, da precaução e da prevenção também se aplicam à definição e prática do modelo institucional de gestão, modelo esse que permita programar e executar as acções que concretizem tais princípios.

Para além da circunstância do País, não nos devemos esquecer que há aspectos de facto essenciais para a vida futura dos portugueses. A água é um deles, absolutamente vital.

António Eira Leitão
Associado nº 9 da APRH

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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