Boletim Informativo nº 144 | Outubro 2011

Acerca do Enquadramento Institucional das Administrações de Região Hidrográfica (ARHs)

No último Conselho Nacional da Água foi presente aos Conselheiros uma proposta de reorganização institucional dos Organismos da Administração Pública responsáveis pelo sector da Água que envolve a integração do Instituto da Água (INAG) e das Administrações de Região Hidrográfica (ARH) numa Agência Portuguesa do Ambiente, da Água e da Acção Climática.

No plano dos princípios a integração das componentes ar, solo, água e recursos vivos num único organismo parece-nos defensável uma vez que permite uma abordagem e gestão integrada das “variáveis” ambientais em detrimento de perspectivas e abordagens sectoriais específicas sem uma visão global e de conjunto em termos de planeamento e gestão ambiental do território nacional.

Mas, dir-se-á que a gestão do recurso água tem especificidades que as outras componentes ambientais não têm, o que justificaria, por si só, a existência das Administrações de Região Hidrográfica com o actual figurino territorial e com  o estatuto de Institutos Públicos, dotados de autonomia  administrativa e financeira como aquele que actualmente  as ARH dispõem.

 O argumento seria igualmente válido para outras componentes do Ambiente e a ser assim teríamos uma miríade de Organismos sectoriais específicos, o que não sendo racional do ponto de vista de eficácia da Administração Pública seria não só claramente contraproducente para uma gestão integrada do Ambiente mas também incompatível com a necessidade de poupanças de recursos financeiros que devem nortear a gestão da Administração Pública.

Ainda a propósito da autonomia e do estatuto das ARH convirá recordar que aquando da elaboração do Projecto de Lei-Quadro da Água (Lei da Água), a questão da natureza, âmbito, objectivos e competências das ARH foram amplamente discutidas no seio do Grupo de Trabalho responsável pela proposta de Projecto de Lei. Prevaleceu o princípio de que as ARH deveriam ser organismos apoiados no INAG e dotados de um reduzido, mas especializado, corpo técnico que se assumiria como que o “Secretariado Técnico” dos Conselhos de Bacia Hidrográfica e cujas funções essenciais estariam centradas na gestão das bacias hidrográficas nas suas vertentes de planeamento, protecção e valorização dos recursos hídricos e aplicação do respectivo regime económico e financeiro.

As componentes licenciamento das utilizações caberiam a entidades já existentes, no caso as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, uma vez que estes organismos dispunham de competências que lhes permitia assegurar a integração das outras componentes ambientais no processo de licenciamento, exercendo-se o poder de controlo das utilizações pelas ARH através dos pareceres obrigatórios. Por sua vez as funções de fiscalização caberiam à Inspecção do Ambiente e à GNR que até dispõe de um Serviço vocacionado para fiscalização das componentes ambientais.

Apesar de não ter sido essa a opção tomada na versão final da Lei- Quadro da Água o que importa, agora que se está em fase de reposicionar a gestão institucional da água, é que o modelo que venha a ser adoptado salvaguarde o principio da gestão por bacias hidrográficas e que o organismo gestor promova uma estratégia e as correspondentes medidas de politica que assegurem a sustentabilidade dos recursos hídricos, isto é, que se focalize e concentre meios em domínios como a gestão, protecção e valorização ambiental e económica do domínio público hídrico, a protecção dos aquíferos, a gestão das situações extremas de cheias e secas, a protecção e valorização dos ecossistemas aquáticos e terrestres associados, a gestão dos empreendimentos de fins múltiplos, a monitorização qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos e  a aplicação do regime económico e financeiro nomeadamente no que respeita à salvaguarda de que  os recursos financeiros gerados pela utilização dos recursos hídricos sejam reinvestidos na protecção e valorização dos meios hídricos de cada bacia hidrográfica.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De facto o que nos parece relevante é que o universo dos cientistas, técnicos, gestores e decisores políticos relacionados com o sector da água sejam capazes e tenham as condições para formular uma estratégia para o sector que tomando por base a dimensão ambiental, social e económica dos recursos hídricos estabeleça os objectivos estratégicos a atingir por bacia hidrográfica, de forma a que da conjugação e articulação desses objectivos resultem os objectivos nacionais a médio e longo prazo para o sector da água, enquanto recurso ambiental e económico determinante para o desenvolvimento sustentável do País e para a qualidade de vida dos Portugueses no contexto das condicionantes económicas e financeiras nacionais que se perspectivam no curto e médio prazo.

De outra forma, afigurasse-nos que muito mais importante do que a inserção institucional das ARH é a formulação e aplicação de uma estratégia de gestão dos recursos hídricos por bacia hidrográfica, a implementação de um conjunto de medidas  ajustado não só aos objectivos de sustentabilidade económica e ambiental desses recursos mas também aferido e balizado pelo quadro económico e financeiro com que  o País se debate na presente situação.

No contexto do que antecede entendemos, pois,  não haver uma relação causa-efeito entre a existência de Administrações de Região Hidrográfica com a natureza de Institutos Públicos e a gestão da água por bacia hidrográfica, sendo que a avaliação futura do sucesso do modelo institucional da gestão da água agora apresentado há-de centrar-se, certamente, muito mais no sucesso  e  na eficácia das medidas implementadas e nos resultados atingidos em termos sustentabilidade ambiental, social e económica do sector do que na natureza e inserção  administrativa do organismo que  promoveu a aplicação das medidas que levaram a atingir os resultados.

Centremo-nos  nas componentes de estratégia, nos objectivos, nas medidas e nos resultados e sejamos abertos às propostas de reorganização institucional porque o futuro do sector da água é muito mais determinado pelas primeiras componentes do que pela que se relaciona com a inserção institucional das ARH.
E se nos séculos passados fizemos história na gestão dos recursos hídricos abstraindo do posicionamento institucional dos organismos que asseguraram essa gestão cabe-nos a nós contribuir para que o sucesso da gestão futura não seja condicionado por ideias pré-concebidas sobre o modelo institucional da gestão da água em Portugal.

Joaquim Marques Ferreira
Membro do Conselho Nacional da Água

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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