Boletim Informativo nº 145 | Dez. 2012

Plano Nacional da Água, problemas e soluções

“Ruin is the destination toward which all men rush, each pursuing his own best interest in a society that believes in the freedom of the commons. Freedom in a commons brings ruin to all”.

A ruina é o destino para o qual todos os homens se precipitam, cada um perseguindo o seu melhor interesse numa sociedade que acredita na livre apropriação dos bens comuns. A liberdade dos bens comuns traz a ruina para todos”.

Garret Hardin, The tragedy of the commons, 1968

A tragédia dos comuns a que se refere Garrett Hardin é a tragédia do livre acesso aos bens comuns, ou bens públicos, e pode resumir-se nos seguintes termos: a optimização dos benefícios individuais da apropriação de um bem público como é o bem água, ou de alguns dos seus valores de uso (meio receptor de efluentes, regularização para efeitos de produção de energia, captação para rega), levar-nos-á ao esgotamento do recurso água e à destruição do seu valor, que são as externalidades do uso livre destes bens.

Habituámo-nos a olhar para a água como um bem público, um bem relativamente ao qual pelo seu insubstituível valor de uso todos devem ter acesso. E no entanto a água é já hoje em muitas regiões um bem económico, um bem que, pela sua escassez e utilidade, e independentemente do seu valor de uso, é gerador de conflitos de mercado e, portanto, susceptível de ter um preço que restringe o seu uso.

Mas a água distingue-se de outros bens económicos comuns por existir na natureza na forma de um continuo, o continuum hidráulico, que faz com que as externalidades do seu uso livre por uns possam afetar todos a jusante, em pontos remotos da sua origem e em momento distante no tempo, por vezes na escala das gerações.

A percepção deste problema conduziu-nos, em primeiro lugar, à necessidade da criação de uma administração hidráulica (AH) que regulasse e disciplinasse os usos do bem comum água recorrendo ao condicionamento desses usos. Durante mais de 100 anos a nossa AH satisfez-se com licenciar os usos, impondo-lhes limites determinados de forma mais ou menos empírica. Estes limites revelavam-se insuficientes de forma crescente face à natureza do meio e às pressões de que este era alvo.

No caso dos rios comuns a Portugal e Espanha o licenciamento ambiental, na ausência de regras que regulassem a proteção e o aproveitamento das águas e dos ecossistemas, era ainda mais insuficiente, tendo em conta a dinâmica de expansão do regadio que se instalou em Espanha a partir da década de 1960 e a nossa condição de Estado de jusante.
Depois de 25 anos de produção legislativa destinada à proteção do bem comum água, a UE chegou à conclusão de que esse resultado só poderia ser alcançado com a adoção de instrumentos de planeamento e de gestão que dessem corpo aos princípios do direito do ambiente que estão inscritos no Tratado da UE e que tomasse como ponto de partida o conceito de continuum hidráulico. Estes instrumentos vieram a ter a sua consagração na diretiva-quadro da água de 2000. Ao contrário do que acontecia com as diretivas anteriores, a DQA veio a adoptar o conceito da abordagem combinada para o aproveitamento das águas:

Sempre que um objetivo ou uma norma de qualidade estabelecidos nos termos da lei tornar necessária a imposição de condições mais estritas que as que resultariam da aplicação... [dos valores limite de emissão e outros controlos de emissão], são instituídos, nesse sentido, controlos de emissões mais estritos”.


 

 

A AH não estará em condições de determinar a necessidade de condições mais estritas sem conhecer, não apenas já o que se passa com aquela particular massa de água, mas o estado das distintas massas de água, as atividade em curso na bacia hidrográfica e os seus impactes. Os PGBH resolvem este problema e por isso a DQA coloca neles o foco da atenção. Neles e nos programas de medidas e planos específicos de gestão das águas, complementares dos PGBH (planos de gestão mais pormenorizada a nível de sub-bacia, sector, problema ou tipo de água).

As condições particulares de cada Estado vieram determinar a necessidade de outros instrumentos normativos consoante as suas circunstâncias. No caso de Portugal destacam-se dois instrumentos fundamentais: as convenções luso-espanholas de rios comuns e o Plano Nacional da Água.

A justificar as primeiras estão a escassez dos recursos hídricos ibéricos face à procura (para a produção de energia hidro-elétrica, para a rega). A procura desregrada teria as consequências que Hardin identificou, com a agravante de que Portugal, enquanto Estado fundamentalmente de jusante, seria naturalmente prejudicado.

A justificar o segundo (o PNA) está então também a necessidade de articulação do planeamento da água com as estratégias e os planos sectoriais de âmbito territorial nacional, supra bacia hidrográfica portanto, tendo em conta a escassez dos recursos hídricos nacionais que faz com que a água acabe por se constituir como fator limitante do desenvolvimento para muitos sectores de atividade em muitas regiões do território. Essa condição determina a necessidade da definição de uma estratégia de desenvolvimento para o nosso país e do Plano.

Uma outra razão, no entanto, determina a necessidade do Plano: as limitações de ordem financeira que sempre nos condicionam (até mesmo quando imaginamos que “dinheiro não é problema”).

É possível concluir portanto que o PNA tem uma função fundamentalmente estratégica e prospectiva que se desenvolve nos seguintes planos (que os PGBH deverão em seguida operacionalizar):

  • De articulação com os planos e as estratégias sectoriais;
  • Económico e financeiro;
  • De articulação com Espanha;

Neste sentido a elaboração e a aprovação do PNA deve preceder a elaboração dos PGBH cujo lançamento, por sua vez, deve ter lugar 2 anos antes da data da sua adopção para que os prazos da diretiva possam ser cumpridos.

Com esta medida os PGBH ficariam balizados, tanto na sua ambição quanto nos seus custos (dentro do possível) e a gestão coordenada (ou conjunta) das bacias luso-espanholas passaria a ter um calendário de referência para a revisitação periódica (de 6 em 6 anos) das suas normas materialmente mais relevantes.

A tragédia dos bens comuns a que se refere Garrett Hardin pode ocorrer não apenas pela apropriação individual do bem comum água de forma incontrolada e indisciplinada mas também pela sua apropriação por um sector utilizador dentro de uma lógica que não se coadune com o bem comum e não seja sustentável. O PNA terá por função mitigar o risco de que isso possa vir a acontecer.

Pedro Cunha Serra

 

 

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