Soluções inovadoras de defesa costeira, incluindo soluções baseadas na naturezai

 

As zonas costeiras são, genericamente, áreas com elevada utilização e ocupação antrópica, frequentemente materializadas em infraestruturas com carácter rígido ou fixo. Esta ocupação rígida está, reiteradamente, em desacordo com o dinamismo natural do litoral, levando a que ocorram situações de risco para bens e pessoas, em particular durante a ocorrência de tempestades. Além dos impactos associados a tempestades, existem vários locais com recuo acentuado da linha de costa por possuírem um balanço sedimentar negativo, ameaçando áreas urbanizadas. No contexto atual de subida do nível médio da água do mar e de potenciais alterações das condições de agitação marítima, em associação às alterações climáticas, perspetiva-se um agravamento das situações de risco na zona costeira, tornando necessária uma reflexão sobre algumas das soluções de defesa existentes, maioritariamente construídas na segunda metade do século passado, bem como do desenvolvimento portuário. Essa reflexão deve incidir sobre as medidas de proteção utilizadas atualmente e sobre eventuais soluções inovadoras, mais sustentáveis, que possam assegurar uma proteção mais eficaz a médio e longo prazo.

Existem, em termos gerais, dois paradigmas de proteção costeira: impedir o avanço do mar e adaptação às condições dinâmicas existentes. As soluções até agora mais utilizadas destinam-se, sobretudo, a impedir o avanço do mar, sendo genericamente enquadradas em duas tipologias: a) Proteção “pesada”, normalmente associada a infraestruturas artificiais (como por exemplo esporões e obras longitudinais aderentes); b) Proteção “leve”, normalmente associada a realimentações ou reposição de sedimentos na zona costeira e instalação de sacos de geotêxtil preenchidos com sedimentos locais. Nestas soluções não há uma adaptação da ocupação e do território a novas condições, mas sim a colocação de uma barreira (rochosa e/ou arenosa) que protege o território ocupado, sem que este se transforme. Na realidade, muitas vezes, estas soluções de proteção costeira acabaram por promover uma sensação de segurança (nem sempre real) que por sua vez levou a um aumento da ocupação e, consequentemente, do risco costeiro pelo incremento da exposição de bens e pessoas às ameaças.

As soluções de adaptação têm sido menos utilizadas, mas têm ganho força e aplicação nos últimos anos, perspetivando-se a sua implementação a larga escala no futuro, existindo programas de nível internacional que fomentam a sua disseminação (ex. Acordo Verde Europeu). Entre as soluções de adaptação convém destacar duas abordagens: a (re)acomodação e a adaptação baseada nos ecossistemas (frequentemente também descrita como Soluções Baseadas na Natureza, SBN).

A (re)acomodação engloba um conjunto diversificado de métodos para reduzir a vulnerabilidade das zonas costeiras às ameaças. Pode ser implementada ao nível do planeamento, através do reordenamento da zona costeira, incluindo, por exemplo, soluções de arquitetura paisagista ou a definição de zonas de exclusão versus zonas de ocupação. Pode, também, ter uma componente dominantemente tecnológica, promovendo, por exemplo, a elevação de infraestruturas existentes e a adaptação dos sistemas de drenagem com recurso a estações elevatórias que garantam o seu funcionamento. Contempla, ainda, mecanismos jurídicos, legais e financeiros, como fixação de prémios de seguros em função do risco e perda de habitabilidade, relocalização da ocupação e educacionais, tais como informação e prevenção através de uma comunicação clara dos riscos de ocupação.

As SBN estão, ainda, na sua fase inicial de implementação em Portugal, apesar de em algumas zonas do globo (ex. EUA, Alemanha, Reino Unido) constituírem já uma parte relevante das medidas de proteção consideradas na gestão da orla costeira. Estas baseiam-se no conhecimento do funcionamento e das características dos ecossistemas costeiros, para além dos processos físicos que se verificam nestas áreas, favorecendo-se o seu desenvolvimento de modo a mitigar ameaças (ex. inundação ou erosão) e, deste modo, reduzindo-se os riscos que lhe estão associados. A sua implementação requer abordagens claramente multidisciplinares em que, para além dos processos físicos, se incluam conhecimentos de áreas como geologia, biologia, ecologia, entre outros.

As soluções baseadas na natureza mais utilizadas, à escala mundial, dizem respeito à reabilitação de zonas húmidas, incluindo a recuperação de sapais e de pradarias marinhas e a reconstrução dunar (por vezes também enquadrada na proteção leve quando obriga à adição de sedimentos). Estes ecossistemas, quando adequadamente recuperados, minimizam os riscos e mantêm as suas funções e os seus serviços ecossistémicos (sequestro de carbono, suporte à biodiversidade, apoio à produção primária e às pescas, atividades lúdicas e de bem-estar, entre outros). Em condições de equilíbrio deveriam, ainda, possuir adaptabilidade às alterações climáticas, nomeadamente à subida do nível médio da água do mar, crescendo e ocupando gradualmente áreas costeiras em que tal seja viável. Estas soluções possuem maior potencial de implementação em locais de menor energia da agitação. O aumento da sua aplicabilidade poderá passar, assim, pelo uso de soluções híbridas que permitam a dissipação da energia da agitação nas áreas em que sejam instaladas. As soluções híbridas integram as SBN em conjunto com qualquer das soluções tradicionais anteriormente mencionadas, mas, particularmente, com as de proteção (leve ou pesada). São exemplos, a construção de dunas em associação a realimentações de praia ou a recuperação de sapais sustentados por estruturas de contenção.

Outras soluções inovadoras poderão ser propostas, tendo por base uma atenta observação e um estudo aprofundado das zonas costeiras e dos processos físicos e biológicos. Os avanços nas tecnologias de monitorização que se traduzem em maior facilidade de aquisição de dados de elevada resolução espacial e temporal, permitem melhorar o conhecimento necessário para o estudo de soluções inovadoras. A costa Portuguesa apresenta uma diversidade natural em que se poderão identificar novas formas de proteção. Os afloramentos rochosos surgem em diferentes trechos costeiros associados a praias arenosas, permitindo a sua proteção natural. Importa, pois, estudar e caracterizar estas situações de proteção naturais, podendo-se ambicionar a sua eventual reprodução artificial. Noutros casos, acumulações de seixos defendem dunas mantendo uma estabilidade temporária. Também estes sistemas poderão ser encarados como formas de proteção que poderão ser reproduzidas artificialmente para proteção costeira.

Finalmente, novas formas estruturais de defesas costeiras e a utilização de materiais inovadores, poderão ser desenvolvidas para permitir a criação de proteções mais eficientes e adequadas às atuais disponibilidades de sedimentos que afluem à zona costeira. Estas deverão basear-se no conhecimento dos padrões morfodinâmicos, devendo permitir alterar aqueles que são responsáveis pelo recuo da linha de costa.

Como se depreende do apresentado, não existe uma solução única de proteção para a zona costeira e é muito possível que a diversidade de soluções se imponha no futuro, com adaptações tendo em atenção a especificidade de cada local e o período de vida admitido para a solução global. Tais soluções deverão considerar sempre o caráter dinâmico do litoral e a possibilidade de se ajustarem, no tempo, a novas condições, sejam elas impostas pelas alterações climáticas ou por qualquer outra ação antrópica ou natural. Deverão, ainda, partir de uma interação com a sociedade que envolve informação, comunicação (da sociedade para o decisor e do decisor para a sociedade) e, sempre que possível, co-gestão. O caminho da co-gestão (uma gestão definida e partilhada entre gestores e utilizadores) é o caminho da responsabilização de todos, comunidade, cientistas e gestores, na obtenção das soluções mais adequadas e com as quais todos se identifiquem, devendo também, sentirem-se todos responsáveis pela tomada de decisão. Esta também é uma solução híbrida, mas agora no contexto social, visto que as decisões finais são assumidas pela comunidade e possuem benefícios e ónus para todos.

Abril 2022

[i] Texto produzido pela CEZCM – 22/04/2022 – relatores: Óscar Ferreira, Filipa Oliveira, Paulo Rosa-Santos, José Pinho

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