A água subterrânea e a seca
A água subterrânea é um importante recurso natural, representando 74% da água doce que é consumida em Portugal, dos quais 89% são utilizados para a irrigação. Sendo o recurso hídrico mais utilizado e com elevado valor socioeconómico e ecológico, este encontra-se muitas vezes sujeito a pressões, que são mais difíceis de monitorizar do que a água superficial, dada a sua “invisibilidade” intrínseca e a grande extensão territorial comparada com os recursos superficiais.
No segundo ciclo dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica foi estabelecido que 97,3% e 98,5% das massas de água subterrânea se encontram, respetivamente, em bom estado quantitativo e qualitativo. Porém, no nosso país ainda temos redes de monitorização com fraca representatividade temporal e espacial, que dada a heterogeneidade natural das formações geológicas, tornam mais complicada a aferição do estado das massas de água subterrânea.
Em épocas de seca, a água subterrânea tem-se revelado um recurso resiliente, permitindo a muitos municípios colmatar as suas necessidades, por não haver suficiente água armazenada nas albufeiras. Contudo, dada a facilidade com que se pode abrir um furo sem controlo e sem enquadramento em sistema integrado de gestão de recursos hídricos, a nível local e regional, não é possível aferir a o estado de exploração dos sistemas subterrâneos, fundamental para a mitigação dos efeitos de seca. Assim, a representatividade das redes de monitorização e a nossa compreensão do funcionamento hidráulico dos aquíferos desempenham um papel fundamental, necessitando urgentemente de ser reforçadas de forma a se poder conhecer e antecipar com suficiente precisão os estados quantitativo e qualitativo das massas de água subterrâneas nacionais.
Só é possível uma gestão eficiente, sustentável e equitativa quando conhecemos bem os nossos recursos hídricos e seguimos uma política de transparência que permite o escrutínio por parte da sociedade civil. Os desafios que devem ser abordados passam pela atualização e modernização das redes de monitorização, a gestão integrada dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, com ferramentas online, sustentada pela “internet das coisas”, a disponibilização gratuita de toda a informação referente a dados climatológicos para todo o país pelo Instituto do Mar e da Atmosfera, a compilação e digitalização numa base de dados de todos os relatórios de sondagens dos furos entregues nas dependências regionais da Agência Portuguesa do Ambiente, um Sistema Nacional dos Recursos Hídricos atualizado e com dados de monitorização em tempo real (redes de monitorização do estado químico e quantitativo) e a promoção de estudos técnicos e científicos que recuperem o atraso no conhecimento de todos os nossos aquíferos e massas de água subterrânea. Só desta forma se poderão enfrentar as secas ocasionais e as que são expectáveis face às alterações climáticas.
Uma boa contribuição da IoT seria no controlo da perfuração indiscriminada de furos, às vezes sem licença, recorrendo-se à colocação obrigatória de um chip (GSM) inviolável em cada máquina de perfuração para registo automático da localização geográfica (i.e., à semelhança do que se faz para os táxis e empresas de transporte) para cruzamento ulterior com os pedidos de licenciamento e datas da execução. Tal permitiria à entidade licenciadora – a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – fiscalizar ativamente e eficazmente as empresas de sondagem registadas em cada Região Hidrográfica. Isto seria uma solução altamente eficaz porque passaria a haver fiscalização por antecipação e não apenas por denúncia ou flagrante. Além disso, o desenvolvimento desta ferramenta enquadra-se bem nos objetivos para a transição digital do Estado prevista no PRR.
Comissão Especializada de Águas Subterrâneas
Maria Paula Mendes,
Manuel Abrunhosa,
José Manuel Monteiro,
Manuela Simões,
Jorge Duque