O papel da água subterrânea na sustentabilidade das cidades do século XXI
Redator: Maria Paula Mendes.
Tradicionalmente o setor profissional tem-se focado no fornecimento de água para consumo doméstico, agrícola e industrial, sem serem considerados os impactos destes usos no mundo natural. Dever-se-ia prestar mais atenção e agir em conformidade para encontrar soluções de engenharia que não degradem os sistemas naturais, não apenas numa perspetiva benevolente, mas em última instância para garantir a resiliência dos recursos hídricos face às interações antrópicas e às consequências das alterações climáticas, a fim de melhorar a qualidade de vida e a sustentabilidade das cidades e do meio natural de que dependem.
As alterações climáticas modificam os regimes de temperatura e de precipitação, agudizam fenómenos extremos, como secas, cheias repentinas, inundações, aumentam a frequência e intensidade das ondas de calor, e provocam erosão e galgamento costeiro (RCM n.º 130/2019). Todas estes riscos exigem uma nova maneira de refletir e procurar soluções para as cidades. Acresce ainda o facto de que no séc. XXI a maior parte da população será urbana, fomentando a procura de água para abastecimento, a produção de águas residuais e de águas pluviais, originando uma crescente pressão nos recursos hídricos. É igualmente previsível o aumento nos gastos em energia, em infraestruturas muitas vezes subdimensionadas e envelhecidas e nos seguros (e.g. catástrofes naturais e agrícolas). Algumas destas ameaças, como a degradação do coberto arbóreo resultantes da maior frequência de incêndios florestais, desertificação e agentes bióticos (EAAFAC, 2013), e ainda o aumento da área urbana, reforçam o efeito das alterações climáticas diminuindo o sequestro de carbono, contribuindo para a perda de solo e da biodiversidade, assim como para a desregulação do ciclo hidrológico. As intervenções no meio subterrâneo sob as cidades, como a construção de caves, infraestruturas e túneis, extração ou drenagem de água, ou injeção ou recarga, causam modificações no balanço hídrico e energético dos aquíferos sob as cidades, situações que estão na origem de disrupções geotécnicas por vezes sérias e irreversíveis. Deste modo torna-se necessária a promoção de medidas de adaptação a um futuro incerto tendo em consideração os diversos papéis desempenhados pela água subterrânea nos meios urbanos.
Em Portugal tem-se assistido à centralização dos sistemas de abastecimento de água que têm provado ser mais vulneráveis à escassez hídrica, havendo a necessidade de ampliar para fontes descentralizadas existentes na própria cidade ou nas áreas periurbanas (e.g., água reciclada, água pluvial, água dessalinizada e principalmente água subterrânea). Existe também uma necessidade de uma gestão integrada dos recursos hídricos (todas as origens de água) e com a qualidade ajustada aos diferentes usos. Torna-se igualmente relevante, pensar numa drenagem urbana mais sustentável em que se considerem medidas que contribuam para o controlo de inundações, inclusive a manutenção de ecossistemas e seus serviços nas bacias hidrográficas, tais como: (i) redirecionar as águas pluviais para a irrigação e/ou para a recarga gerida dos aquíferos (e.g. pavimentos permeáveis e telhados verdes, jardins e parques, bacias de retenção), (ii) desenvolver redes de abastecimento de águas com qualidade ajustada para usos não sanitários, (iii) desenvolver instrumentos de gestão do sistema urbano contemplando a água nos seus diversos envolvimentos, incluindo adequada monitorização como ferramenta básica, e (iv) criar instrumentos legais, fiscais e de planeamento para o controle da expansão urbana e da impermeabilização dos solos. Ao longo das últimas décadas, a maioria dos investimentos relacionados com a definição de origens de água para os diferentes grupos de utilizadores tem-se focado em soluções regionais. Urge direcionar a nossa atenção para soluções com contribuições locais que tenham em consideração as especificidades de cada bairro de cada cidade e das áreas periurbanas.
Todos estes desafios demonstram a necessidade de uma maior interdisciplinaridade nas abordagens de empreendedorismo, investigação e ensino, uma valorização dos novos princípios hidrogeoéticos e a inclusão de conceitos inovadores como o da indústria 4.0 e o da economia circular no setor da água, e uma crescente integração com a sociedade quer a nível nacional como internacional.