Temas e conclusões do 7º Fórum Mundial da Água – Testemunhos da participação Portuguesa
4 de junho de 2015
LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Centro de Congressos
Programa (PDF)
- 16:00 Recepção dos participantes
- 16:15 Sessão de abertura:
‒Maria da Conceição Cunha, Presidente da APRH – Associação Portuguesa de Recursos Hídricos
‒Francisco Nunes Correia, Presidente da PPA – Parceria Portuguesa para a Água: Apresentação geral dos objectivos e organização do Fórum Mundial da Água
- 16:30 Apresentação e primeiras intervenções dos membros do painel
‒Moderação de Maria da Conceição Cunha
- 17:45 Debate e interacção com os participantes
- 18:30 Encerramento
‒Paulo Lemos, Secretário de Estado do Ambiente
O painel de representantes Portugueses conta com:
- António Chambel, Universidade de Évora
‒Instrumentos para a gestão e governança da água subterrânea
- António Ramos Preto, Deputado e Presidente da Comissão do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local
‒A água como um bem público
- David Alves, ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos
‒O acesso à água como Direito Humano
- Francisco Nunes Correia, IST – Instituto Superior Técnico
‒A importância da governança na gestão da água
- Jaime Melo Baptista, LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil
‒Políticas públicas e financiamento dos serviços de águas
- Luís Veiga da Cunha, FCT/ Universidade Nova de Lisboa
‒A água nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
Esta reunião, coorganizada pela APRH e pela Parceria Portuguesa para a Água (PPA), teve como objetivo apresentar os testemunhos dos participantes portugueses no 7º Fórum Mundial da Água (WWF), realizado em Daegu e em Gyeongbuk, na República da Coreia, entre 12 e 17 de abril de 2015.
Esta iniciativa foi moderada pelo vice-presidente da APRH, António Guerreiro de Brito, tendo contado com a presença de cerca de três dezenas de participantes na assistência.
Foram apresentados testemunhos dos seis participantes portugueses no 7º WWF, tendo havido previamente uma intervenção enquadradora de Francisco Nunes Correia com os objetivos e a organização do WWF.
Os testemunhos foram os seguintes:
- António Chambel, Universidade de Évora: Instrumentos para a gestão e governança da água subterrânea
- António Ramos Preto, Deputado e Presidente da Comissão do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local: A água como um bem público
- David Alves, ERSAR: O acesso à água como Direito Humano
- Francisco Nunes Correia, IST: A importância da governança na gestão da água
- David Alves, ERSAR, em nome de Jaime Melo Baptista, LNEC: Políticas públicas e financiamento dos serviços de águas
- Luís Veiga da Cunha, FCT/ Universidade Nova de Lisboa: A água nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas
Seguidamente podem ler-se dois testemunhos enviados pelos seus autores.
Testemunho: Instrumentos para a gestão e governança da água subterrânea António Chambel [Membro da Direção do NRS da APRH, Vice-Presidente da IAH para a Programação e Coordenação Científica, Instituto Ciências da Terra (ICT), Universidade de Évora (UÉ)]
«Durante o Fórum Mundial da Água (WWF) foram realizados vários eventos temáticos paralelos respeitantes a assuntos das águas subterrâneas. Dois desses eventos foram realizados pela UNESCO na cidade de Daegu, uma das duas cidades onde decorreu o WWG na Coreia do Sul em abril de 2015: um dedicado à governança da água subterrânea e outro dedicado à apresentação de um novo mapa mundial da água subterrânea, denominado Mapa Global da Vulnerabilidade dos Aquíferos a Cheias e Secas, mais um numa série que se iniciou há mais de 10 anos atrás e que já produziu até hoje quatro mapas temáticos, incluindo este.
Há um reconhecimento por parte dos especialistas em águas subterrâneas da importância da água subterrânea em termos de percentagem total de águas doces no planeta Terra. Representando mais de 96% de toda a água doce no estado líquido existente no Planeta, abastece cerca de metade de toda a água de consumo e mais de 40% de todas as áreas regadas do Globo. Para além disso, é um tampão crucial em áreas com escassez de água. A extração total de água subterrânea no Mundo, estimada em 2010, é de aproximadamente 1000 km3 por ano, sendo 67% para rega, 22% para uso doméstico e 11% para usos industriais (fonte IGRAC 2010).
Por outro lado, a água subterrânea encontra-se sob risco em muitos locais do Globo, com um decréscimo no armazenamento, deterioração da qualidade devido ao aumento da exploração e às atividades humanas, mas também devido à falta de informação, mesmo a nível dos responsáveis por muitos serviços ligados à água, e a uma governança inapropriada dos sistemas. E o estado da água subterrânea está claramente ligado à sua governança.
Numa parceria GEF-FAO-UNESCO-IAH-Banco Mundial teve lugar no WWF o evento temático “Uma visão global partilhada para a governança da água subterrânea 2030”, foi discutida uma Visão para o Mundo em 2030, no qual cada país tomou as ações apropriadas e efetivas para gerir a sua água subterrânea, de modo a atingir as metas globais do desenvolvimento social e económico e evitar a degradação irreversível dos recursos de água subterrânea e dos sistemas aquíferos.
Os objetivos a atingir em 2030 são:
- Que haja uma rede regulatória e institucional legal apropriada e implementada para a água subterrânea que estabeleça a tutela pública e a responsabilidade coletiva, o envolvimento permanente das partes interessadas e a integração benéfica com outros setores, incluindo outros usos do espaço subsuperficial e dos seus recursos
- Todos os aquíferos principais são adequadamente geridos, com a informação resultante e o conhecimento partilhado, com o uso de técnicas de comunicação atualizadas
- Planos de gestão preparados e implementados para os aquíferos prioritários
- Agências locais, regionais, nacionais e internacionais de gestão de águas subterrâneas são adequadamente financiadas e as suas principais tarefas de capacitação, recursos e monitorização da qualidade e promoção da gestão da procura, juntamente com medidas do lado da oferta, estão garantidos
- Programas de investimento e de incentivo para a sustentabilidade, uso eficiente da água e para a proteção adequada dos sistemas aquíferos
No papel de liderança que é assumido pela UNESCO na área dos aquíferos transfronteiriços, a iniciativa global ISARM (Gestão dos Recursos Aquíferos Internacionais Compartilhados) foi criada em 2002 e corresponde a um esforço envolvendo agências diversificadas cujo objetivo é a melhoria do entendimento dos aspetos científicos, socioeconómicos, legais, institucionais e ambientais relacionados com a gestão de aquíferos transfronteiriços. O portal ISARM é desenvolvido e mantido pelo IGRAC (Centro de Avaliação dos Recursos Hídricos Subterrâneos Internacionais).
O Programa de Avaliação das Águas Transfronteiriças (TWAP) foi um projeto de dois anos (2009-2010) criado pelo GEF (Fundo Global para o Meio Ambiente) e teve como objetivo a realização da primeira avaliação de base global dos sistemas hídricos transfronteiriços. A avaliação foi realizada em cinco componentes, nomeadamente (i) Aquíferos Transfronteiriços e Sistemas Aquíferos de Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) (ii) Bacias Hidrográficas Transfronteiriças, (iii) Bacias Lagunares Transfronteiriças, (iv) Grandes Ecossistemas Marinhos e (v) Oceanos Abertos. Dentro do ponto (i) O TWAP foi responsável pelo programa de avaliação global de 166 aquíferos transfronteiriços e de 43 SIDS.
O projeto GGRETA (Governança dos Recursos Hídricos Subterrâneos em Aquíferos Transfronteiriços, 2013-2015) é financiado pela Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação (SDC) e executado pelo Programa Hidrológico Internacional da UNESCO (UNESCO-IHP) em cooperação com União para a Conservação da Natureza (IUCN) e o IGRAC. É uma componente integral resultante do programa TWAP do ISARM e responde à necessidade premente de incremento do conhecimento nas caraterísticas físicas e socioeconómicas dos aquíferos transfronteiriços. É responsável pelo aprofundamento de estudos na área dos aquíferos transfronteiriços e pelo desenvolvimento de informação espacial diferenciada, nomeadamente mapas.
Na sessão de apresentação do Mapa Global da Vulnerabilidade dos Aquíferos a Cheias e Secas fez-se um historial dos instrumentos de gestão (mapas) que começaram a ser preparados há cerca de 15 anos e que levaram à criação de mapas mundiais relacionados com águas subterrâneas. Já foram produzidos, a partir de 2004, quatro mapas temáticos, incluindo o que foi agora apresentado no WWF, e que são considerados instrumentos essenciais para uma melhor gestão e governança global da água subterrânea:
- Mapa dos Recursos Hídricos Subterrâneos do Globo (Groundwater Resources of the World, 2004, 2008)
- Mapa Global dos Aquíferos Transfronteiriços (Groundwater Resources of the World – Transboundary Aquifer Systems, 2006 )
- Mapa Global das Bacias Hidrográficas e Hidrogeológicas (River and Groundwater Basins of the World, 2012)
- Mapa Global da Vulnerabilidade dos Aquíferos a Cheias e Secas (Groundwater Vulnerability to Floods and Droughts, 2015)
Encontra-se ainda em discussão o Mapa Global dos Aquíferos Salinos (ainda não publicado) e, no final e Junho de 2015, numa reunião na UNESCO em Paris, discutiu-se a possibilidade de preparação futura de um mapa dos Ecossistemas Dependentes de Águas Subterrâneas.
O objetivo global de todas estas atividades, programas e projetos é tornar realidade a cooperação entre países para o estabelecimento da governança conjunta dos aquíferos transfronteiriços até ao ano 2030.»
Testemunho: A água como um bem público António Ramos Preto (Deputado e Presidente da Comissão do Ambiente, Ordenamento do Território e Poder Local: A água como um bem público)
«No 7.º Fórum Mundial da água evidenciei que Portugal é um país que concretizou o sonho de que o direito à água potável e ao saneamento são direitos concretos, cuja realização é necessária e é possível.
Um país que se orgulha de ter assumido no seu ordenamento jurídico-constitucional e na prática política dos seus governantes, que o direito à água deve ser considerada como um bem público, a que todos podem e devem ter acesso, como se de direito humano se tratasse.
Realcei a experiencia portuguesa, ao longo dos últimos vinte e tal anos que aponta para uma intervenção sistemática no sector.
No plano nacional, destaquei os instrumentos de política que constituem, entre outros, marcos e referências na área da Água:
- Lei da Água – Lei 58/2005 de 29 de dezembro;
- Planos de Gestão de Regiões Hidrográficas (das dez regiões hidrográficas nacionais, nove têm o seu plano aprovado desde setembro de 2012 e uma tem o seu plano ainda em consulta pública);
- Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Saneamento de Águas Residuais – PEAASAR II;
- Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (PNUEA) – 2012-2020
- Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira;
Os instrumentos de política supra indicados, entre outros, têm procurado contribuir para melhorar as respostas às pressões antropogénicas sobre a integridade física, química e ecológica das massas de água e aos impactes sobre a saúde e a segurança de pessoas e bens.
Não podia deixar passar a oportunidade para referir que a Comissão Europeia estabeleceu que no próximo Programa-Quadro de financiamento de investigação e inovação Horizonte 2020 (2014–2020) pelo menos 60% do orçamento global esteja relacionado com o desenvolvimento sustentável. Espera-se igualmente que as despesas relacionadas com o clima ultrapassem 35% do orçamento, incluindo medidas que melhorem a eficiência na utilização dos recursos.
Na verdade a Comissão Europeia identificou o ambiente, e nomeadamente o recurso água, como um dos grandes desafios societais para o futuro (Ação climática, Ambiente, Eficiência de recursos e Matérias-primas). O objetivo específico deste desafio é o de permitir uma economia eficiente na utilização dos recursos e resiliente às alterações climáticas e um abastecimento sustentável de matérias-primas, a fim de satisfazer as necessidades de uma população mundial em expansão e tendo em consideração os limites sustentáveis dos recursos naturais do planeta.
Desenvolvi e elaborei sobre o enorme investimento nacional realizado na criação e aprovação dos planos estratégicos para os diversos sectores, na definição de um quadro legislativo próprio e de um modelo de governança dos serviços, na definição de uma política de taxas e tarifas, na constituição de infra estruturas, na formação de recursos humanos afetos ao sector, na promoção de pesquisa e investigação, na introdução de concorrência e numa correta regulação do sector.
Realcei o esforço do país para concretizar este sonho, a uma só vez, fazendo com que tudo o que era necessário fazer, fosse feito de forma integrada e global.
Por ultimo, não pude deixar de salientar os dados reais que, ao fim destes vinte anos, podiam demonstrar a existência de progressos das políticas públicas nestes sectores.
Desde o abastecimento a 95% das habitações na atualidade até ao elevado nível da qualidade da água potável que serve 99% dos cidadãos portugueses.
Referenciei os enormes impactos civilizacionais que representou para diversos sectores do nosso país, toda uma política de água que foi transversal a vários governos desde 1993 até ao presente.
Os impactos na qualidade ambiental das nossas zonas costeiras e o seu reflexo na qualidade das nossas praias e da água dos nossos rios, diminuindo o flagelo da poluição, resultante de um crescimento económico não sustentável.
Referi a excelência das nossas praias, fator determinante para a indústria do Turismo que é cada vez mais uma indústria supercompetitiva a nível mundial.
Mas o aspeto que me pareceu mais relevante de realçar foi o impacto desta nova politica publica de promoção da qualidade da água potável acessível à população na saúde dos portugueses relevando o seu impacto altamente benéfico no combate a doenças como a cólera, a febre tifoide e na hepatite entre outras.
Depois evidenciei que os resultados obtidos só tinham sido possíveis de alcançar porque uma política integrada e continuada por diversos governos, de forma estável, ao longo do tempo, sem desvirtuar os objetivos, comumente aceites, fora incentivadora e criadora daquilo a que designei pela Comunidade Nacional da Água.
Forte investimento na qualificação profissional, na gestão, na criação de instituições sólidas, de empresas com qualidade e capacidade para concorrer entre si.
Enorme capacidade nacional de promover legislação que defendesse melhor ambiente, melhores políticas públicas de saúde, grande capacidade técnica dos agentes.
Claro que não pude deixar de referenciar a presciência do futuro papel que os legisladores constituintes tinham revelado ao elaborar a Constituição de 1976, nela consagrando direitos e valores que acabaram por ser reconhecidos mais tarde por muitas organizações internacionais.
E se alguns de entre nós se opõem e é natural que se oponham, a muitas normas constitucionais, quase todos reconhecem que em matéria de ambiente em geral e da água em particular a Constituição da República Portuguesa de 1976 esteve à frente do seu tempo.
Refletimos sobre os nossos sistemas e sobre a evolução da legislação portuguesa, desde a criação dos Serviços Hidrográficos em 1884, até aos últimos diplomas que regulam o nosso sector da água e do saneamento e concluímos que a valorização da água é, de per si, um ativo estratégico dos países cujo aproveitamento, na sua maioria das vezes, só depende da vontade dos próprios povos.
Em síntese, este foi o nosso contributo para a Conferência de Parlamentares para a água que integrou o 7.º Fórum Mundial da água que ocorreu em Gyeongju – República da Coreia no pretérito mês de Abril.
Palácio de S. Bento 13 de Julho de 2015»